Governo angolano abre esta segunda-feira uma nova fase de candidaturas para atribuição de licença à quarta operadora de telecomunicações do país, que decorre até ao dia 8 de Novembro, depois do primeiro concurso ter sido anulado.
Segundo um comunicado do Ministério angolano das Finanças (MINFIN), tratando-se de um concurso limitado por qualificação prévia, desenrola-se em duas fases: a primeira, para habilitação dos interessados, até dia 8 de Novembro, seguindo-se uma segunda, de submissão das propostas pelos candidatos qualificados.
O MINFIN adianta que a fase de propostas “será restrita aos candidatos que forem qualificados, após apreciação pela Comissão de Avaliação da sua conformidade com os requisitos do concurso”. Os candidatos qualificados terão um prazo de 60 dias para apresentar as suas propostas técnicas e financeiras.
Os interessados em concorrer à atribuição de um Título Global Unificado (TGU) podem aceder ao anúncio e demais peças do concurso, submeter candidaturas, solicitar esclarecimentos e apresentar propostas através do Portal de Compras Públicas (www.compraspublicas.minfin.gov.ao).
Tal como noutros concursos públicos internacionais, o governo pretende realizar ‘roadshows’ para captar a atenção dos operadores mundiais de telecomunicações. A primeira sessão está programada para o Dubai, durante a semana com início em 7 de Outubro, indica o MINFIN.
“Espera-se que no final do processo, o país possa contar com um novo operador de comunicações electrónicas, com relevante capacidade financeira e tecnológica”, contribuindo para a “melhoria da concorrência no sector, com mais inovação tecnológica, mais qualidade de produtos e serviços e melhores preços”, acrescenta o comunicado.
O concurso anterior, em que foi vencedora a angolana Telstar, foi anulado porque a empresa “não apresentou resultados operacionais dos últimos três anos, como impunha o caderno de encargos”, segundo um decreto presidencial publicado em 18 de Abril.
O Presidente João Lourenço justificou a decisão com o incumprimento da concorrente em apresentar o “balanço e demonstrações de resultados e declaração sobre o volume global de negócios relativo aos últimos três anos”.
A Telstar – Telecomunicações, Lda foi criada a 26 de Janeiro de 2018, tendo como accionistas o general Manuel João Carneiro (90%) e o empresário António Cardoso Mateus (10%).
Actualmente, Angola conta com três operadoras, com a Unitel a liderar o mercado, com cerca de 80% de quota, à frente da Movicel, com um peso de cerca de 20% e a Angola Telecom (empresa estatal em processo de privatização) com uma posição residual.
Das 27 entidades que manifestaram interesse no concurso aberto em 27 de Novembro de 2017, apenas seis passaram a primeira fase e só duas cumpriram todos os requisitos previstos no caderno de encargos.
Em reacção à decisão presidencial, a Telstar garantiu ter cumprido “de forma escrupulosa” o concurso público do qual foi declarada vencedora, referindo que foi “com total surpresa” que tomou conhecimento da anulação do concurso.
Numa nota enviada a 23 de Abril, a empresa apresentava-se como uma sociedade comercial de direito angolano, constituída em 24 de Novembro de 2017, possuindo um capital social de 30,7 milhões de kwanzas (85.241 euros), que tem como objecto social principal a “instalação, manutenção, operação de redes e serviços de comunicações electrónicas de carácter fixo e móvel, comunicações e informática no domínio da instalação de infra-estruturas e sistemas de rede e equipamento de telecomunicações e detentora de uma licença multisserviços emitida a 24 de Janeiro de 2018.
Segundo a nota, a Telstar tomou conhecimento do concurso por um anúncio publicado no Jornal de Angola, em Novembro de 2017, tendo a mesma e os seus accionistas manifestado interesse em apresentar a sua candidatura e procedido à aquisição de cópia das peças do Procedimento do Concurso Público, no valor de 120 mil dólares (106 mil euros).
Em Janeiro de 2018, a empresa solicitou à Comissão de Avaliação do Concurso Público vários esclarecimentos, tendo sido informada que “a capacidade técnica, financeira e humana adequada para o exercício da actividade pretendida e para cumprimento das demais obrigações legalmente previstas – uma vez que não existia no mercado angolano, uma pessoa colectiva que preenchesse todos os requisitos para a exploração do TGU constantes nas peças do procedimento do Concurso Público – podia ser preenchida, desde que a Telstar comprovasse a existência de uma parceria com um operador internacional”, tendo a mesma dado cumprimento a este ponto.
Nos esclarecimentos, a Comissão de Avaliação do Concurso informou também que seria indiferente a natureza jurídica da sociedade comercial constituída ou a constituir, assim como o seu capital social, ficando claro que ao abrigo das Peças do Procedimento do Concurso Público, em caso de obtenção do TGU para o quarto operador global, 45% do capital social teria de ser detido por uma entidade a ser indicada pelo Estado angolano.
De acordo com a nota de esclarecimento, no dia 16 de Abril de 2018, a Comissão de Avaliação do Concurso Público, após análise formal das três e únicas candidaturas – Telstar (angolana), MTN Group, Limited (sul-africana) e Yang Yimei, Lda (chinesa) – votou, por unanimidade, na qualificação da empresa nacional e da MTN Group Limited, tendo em Junho sido convidada a apresentar a proposta técnica e financeira do concurso.
Após notificação da adjudicação do contrato de concessão, a Telstar iniciou o processo necessário para a entrega da caução definitiva no valor de 12 milhões de dólares (10,6 milhões de euros), correspondentes a 10% do valor total da licença TGU, informou na altura a empresa, queixando-se da “campanha difamatória, insidiosa e leviana desenvolvida por terceiros, através dos media e das redes sociais, com vista a descredibilizar a Telstar, o processo concursal e o próprio Estado angolano”.
E um ministro a cantar e a rir…
O Presidente João Lourenço anulou o concurso público internacional, mas manteve incólume o responsável por esta comédia de baixa qualidade, o ministro das Telecomunicações e das Tecnologias de Informação de Angola, José Carvalho da Rocha, que deu cobertura à decisão.
Antes do veredicto de João Lourenço, a propósito da escolha da Telstar, o Folha 8 perguntava: Pode uma empresa que tem um capital social de 550 euros garantir ao Estado que cumprirá os compromissos assumidos num negócio em que terá de pagar, nos próximos 45 dias, 106 milhões de euros do valor da licença, depois de ter pago outro tanto relacionado com o caderno de encargos?
E a nossa resposta foi: Pode, é claro. Regra número 1: ser formada – directa ou indirectamente – por altos dignitários do regime/MPLA, mesmo que estejam temporariamente fora da ribalta. Regra número 2: ser um negócio feito em Angola.
A medida de anulação do concurso surgiu dois dias depois de o ministro das Telecomunicações e das Tecnologias de Informação de Angola, José Carvalho da Rocha, ter referido que já não era possível impugnar os resultados.
José Carvalho da Rocha assinalou ter-se tratado de um concurso “transparente”, afirmando desconhecer as razões pelas quais a multinacional sul-africana de telecomunicações MTN desistiu do processo, depois de, em Novembro de 2018, a empresa ter afirmado, na comunicação social angolana, que o concurso estava, “à partida, viciado”.
“Gostava que fosse a própria MTN a dar as explicações, porque nós próprios não sabemos. Todos os candidatos tiveram oportunidade de questionar o processo. Em nenhum momento nos disse que o processo estava viciado. Só ela [a empresa sul-africana) poderá responder”, afirmou então o governante angolano.
O Governo acrescentou então que a Telstar foi “aprovada em todas as fases” e apresentou “uma proposta técnica e Financeira que, após rigorosa avaliação, cumpre com os requisitos mínimos estabelecidos no Caderno de Encargos”.
Apesar da pronta, mas coxa, resposta de João Lourenço, começa a vulgarizar-se (atente-se na ordem então dada pelo Fundo Monetário Internacional para o Governo cancelar a ordem presidencial para renovar a frota da TAAG) a ideia do presidente da Africa Growth Corporation, Scott Mortman, que no dia 1 de Abril se referiu a Angola como uma “cleptocracia”.
O ministro José Carvalho da Rocha é uma espécie digna do anedotário nacional e, ao que parece, paradigma do Executivo de João Lourenço. No dia 19 de Junho de 2018 manifestou-se preocupado com o “uso indevido” das novas tecnologias, sobretudo a Internet, defendendo uma “educação contínua” para o efeito. Hum! Rabo escondido com gato de fora…
“Preocupa-me o uso indevido que cada vez mais as pessoas fazem das tecnologias de informação. Particularmente a Internet é uma infra-estrutura para humanidade e temos que saber usar e não usar para muitos fins inconfessos que temos estado a verificar”, disse o governante, talvez já a pensar no sucesso da Telstar.
Falando aos jornalistas à margem da cerimónia de abertura do Fórum Internacional de Tecnologias de Informação – Angotic 2018, que decorreu em Luanda, o ministro apontou a necessidade de reforçar a educação (que ele próprio não tem) para o uso das ferramentas tecnológicas.
“Temos estado a trabalhar primeiro na educação das pessoas, para o uso das novas tecnologias. Para o respeito do próximo. Temos estado a trabalhar igualmente na produção de legislação que cada vez mais possam proteger as pessoas”, adiantou.
De acordo com José Carvalho da Rocha, o sector que dirige desenvolve um conjunto de acções, nomeadamente a produção de leis, no intuito de “permitir com que as pessoas usem cada vez mais de forma segura as redes sociais e uma educação permanente e constante”.
É o caso, referiu, da Lei da Protecção de Dados e da Lei de Protecção das Redes e Sistemas, acrescentando que está igualmente a ser preparada a nomeação dos “órgãos gestores da Agência de Protecção de Dados” e que o próprio Código Penal vai “regular igualmente o mau uso” das novas tecnologias.
Questionado sobre a realidade do país em relação aos crimes cibernéticos, o governante sustentou que têm sido criadas infra-estruturas “no sentido de tornar a rede cada vez mais segura”.
Folha 8 com Lusa